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terça-feira, 3 de março de 2009

Era Uma Vez


Festinhas

Pronto! Lá vem de novo

as festas juninas!

Vão me vestir de mendigo,

com uma roupa remendada,

amassar o meu dedão

numa bota apertada

e sujar a minha cara

com bigode de carvão.

Que baita humilhação!

E, depois, vem o pior:

vou ter que dançar a quadrilha

abraçado com a Maria,

e rever minha vergonha

em vídeo e fotografia!

Que destino apavorante

é enfrentar cara a cara

uma menina sardenta,

com trancinha de barbante!

Socorro, São Pedro!

Me acuda, Santo Antônio!

Me salva, São João!

fonte: Abobrinha Quando Cresce, Carlos Queiroz Telles,1ª edição




É Siri, É Bebê, É Corda

Lá em casa mora um siri. Não fui eu quem trouxe, não.

Ele veio me seguindo pela praia. Atravessou a rua, desviou dos carros. Eu só espiava. Ele vinha atrás.

O siri não tem cama. Dorme na tigela de comida do cachorro porque já levou um beliscão no focinho.

Eu não sei o que o siri come, nem o que ele bebe.

Mas ele continua vivo e mora nessa casa faz tempo. Acho que ele engordou.

Minha mãe também engordou.

Eu perguntei pra minha mãe:

- O que tem aí dentro da sua barriga?

Ela respondeu com uma cara toda feliz:

-Um bebê. Seu irmão.

Eu fiquei lembrando do siri e fiz outra pergunta:

-Será que o siri também tem um bebê na barriga?

Minha mãe fez cara de quem não sabia o que dizer. Mas disse:

-Ah, siri não. Siri põe ovo.

-E você não põe?

-Claro que não!

-Você tem certeza que o bebê tá dentro da sua barriga, mãe?

-Tenho ,filho.

-E porque você comeu ele?

Minha mãe deu uma gargalhada. Me abraçou bem comprido e disse que ia me explicar tudo, tintim por tintim,mais tarde. Ela falou assim:tintim por tintim.

Então eu me esqueci do siri, do bebê e só pensei:

"Tintim é o barulho que os copos fazem quando os adultos batem um contra o outro em dia de festa". Aí comecei a lembrar do meu aniversário...

Por que será que meu pensamento pensa desse jeito?

Quer dizer, por que ele fica pulando de uma idéia para outra sem parar?

Aliás por falar em pular...

Alguém quer pular corda comigo?

fonte: revista Nova Escola,08/07



Dona Licinha

A senhora não me conhece. Faz tanto tempo e me lembro de detalhes do seu jeito, sua voz, seu penteado e roupas...A senhora ensinava na 3ªsérie B e eu era aluna da 3ªséire C no Grupo Escolar do Tatuapé...Passava no corredor fazendo figa para mudar de classe, pra minha professora viajar e nunca mais voltar, pra diretora implicar e me mandar pra 3ªB...Nunca tive tanta inveja das crianças da série B...
Lembro que na sua sala se ouviam risadas quase o tempo todo. Maior gostosura! De vez em quando, um enorme silêncio quebrado por sua voz suave..era hora de contar histórias. Suspirando, eu grudava na janela e escutava o que podia...Também muitos piques e hurras, brincadeiras correndo solto. Esconde-esconde, telefone sem fio, campeonato de Geografia. Tanto fazia a aprontação inventada. Importava era sentir a redonda correnteza dos alunos.
A sua sala era colorida com desenhos das crianças, em painel com recortes de revista e jornais, figurinhas bailando em fios pendurados, mapas e fotos...Uma lindeza rodopiante mudada toda semana! Vi pela janela seus alunos fantasiados, pintados, emperucados, representando cenas da História do Brasil! Maior maravilhamento! Demorei, entendi. Quem nunca entendeu foi minha professora...Seu segredo era ensinar brincando. Na descoberta! Na contenteza!
Nunca ouvi berros, um "Cala boca", "Aqui quem manda sou eu" e outras mansidões que a minha professora dizia sem cansar. Não escutei ameaças de provas de sopetão, castigos, dobro da lição de casa, chamar a diretora, com que a minha professora me aterrorizava o tempo todo...
Dona Licinha, eu quis tanto ser sua aluna quando fiz a 3ªsérie. Não fui...Hoje,tanto tempo depois, sou professora. Também duma 3ªsérie. Agora sou sua colega...Só não esqueço que queria estar na sua classe, seguir suas aulas risonhas, sem cobranças, sem chateações, sem forçar barras, sem fazer engolir o desinteressante. Numa sala colorida, iluminada, bailante. Também quero ser uma professora assim. Do seu jeito abraçante.
Hoje vi uma garotinha me espiando pela janela. Arrepiei. Senti que estava chegando num jeito legal de estar numa sala de aula...Por isso resolvi escrever para a senhora. Vontadona engolida por décadas. Tinha que dizer que continuo querendo muito ser aluna de Dona Licinha. Agora, aluna de como ser professora. Fazendo meus alunos viverem surpresas inventivas.

Um abraço apertado, cheinho de gostosura, de ciça.


fonte: revista Nova Escola,10/01

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